Nunca pare de brincar

 

A nossa criança interior não envelhece, nem morre, a gente só deixa ela no cantinho demais da conta.

 

Durante a vida, passamos por diversos processos e fases, evoluindo da infância para a idade adulta e depois para a terceira idade. Segundo a crença popular, até os 30 anos ainda estamos em busca de um maior autoconhecimento, enquanto estudos recentes de neurociência indicam que nosso cérebro continua em formação até aproximadamente os 25 anos.

 

A criatividade, que essencialmente se manifesta como a atividade espontânea praticada pelo ser humano em sua interação com o mundo, passa por um período crucial de definição durante a infância. O ato de brincar na infância, que exemplifica a máxima criatividade e desenvolvimento integral do ser humano, reflete os aspectos pessoais, sociais, culturais e as dimensões tangíveis das ações realizadas pelo corpo.

 

Segundo Winnicott, no livro “O Brincar da Criança — Criatividade e Saúde”, a criatividade na infância contribui para a formação da identidade pessoal, sendo considerada a obra criativa mais significativa na vida humana. Durante a infância, a criança explora aspectos subjetivos próprios, experimenta os limites do corpo, imaginações, desejos e compreende o mundo ao seu redor.

 

Essas experiências infantis são essenciais para o desenvolvimento futuro, influenciando diretamente a saúde mental e a construção de uma sociedade equilibrada e solidária. Entre o crescimento acelerado e a diversão sem fim das crianças, podemos observar a alegria e a criatividade em ação, antevendo um futuro repleto de potencial criativo.

 

Quando uma criança começa a falar, ela brinca com a sua voz, experimentando uma variedade de sons até desenvolver a linguagem e o tom emocional da comunicação oral. Ao aprender a andar, ela brinca com o corpo, testando diferentes movimentos, desafiando o equilíbrio físico e lidando com quedas voluntárias abruptas, até alcançar habilidades avançadas de agilidade e destreza motora. Ao praticar interações sociais, a criança experimenta assumir a iniciativa de se envolver emocionalmente, arriscando a rejeição e explorando identidades em suas relações, às vezes brincando com papéis sociais. Enquanto desenvolve diversas habilidades, como escrita e leitura, a criança ora busca aprovação social, ora omite conscientemente suas conquistas. Ela explora os limites do seu corpo, imagina possibilidades, testa hipóteses sobre o mundo, questiona fatos e constrói crenças sobre si mesma, as pessoas ao seu redor e o mundo social.

 

Ao explorar e descobrir o mundo, a criança cria uma maneira única de compreender sua experiência e interagir, habilidades que serão refinadas com o desenvolvimento da capacidade de abstração.

 

A criança, o adolescente, o adulto e o idoso, todos são criativos, pois cada fase do desenvolvimento humano apresenta particularidades que apontam aspectos criativos específicos; a criatividade está na raiz da vida e a manutenção da existência depende da utilização do potencial criador.

 

Na infância, mais do que em qualquer outra fase da vida — adolescência, idade adulta ou terceira idade — observamos uma necessidade urgente de expressão criativa, que requer cuidados especiais por parte do ambiente. Esses cuidados serão determinantes para a criatividade e a saúde futura, por ser durante essa fase que os alicerces para toda a criatividade futura estão sendo estabelecidos nos aspectos fundamentais do Eu.

 

Dessa forma, todos nós nos transformamos em seres humanos por meio de nossas tentativas e descobertas. Desde o nascimento, encontramos o ato de brincar, que nos ajuda a compreender as relações na vida e a moldar nossa identidade.

 

Brincadeiras e a prática do brincar, que exploram e descobrem novas possibilidades, são momentos vivos de criatividade.

 

 

O filme Pobres Criaturas

 

Aproveitamos o Oscar 2024 e traçamos um paralelo com o filme Pobres Criaturas.

 

Estamos “in-love” com essa obra-prima (na nossa visão), dirigido por Yorgos Lanthimos, estrelado pela ganhadora do Oscar de melhor atriz, Emma Stone, que faz uma interpretação brilhante da Bella Baxter. 

 

O filme todo é uma alusão à criatividade, com cenas fortes do mundo científico, do final do século XVIII e início do século XIX, conhecido como Segunda Revolução Científica, ele usa e abusa da exploração, da observação, das descobertas e possibilidades. 

 

Bella Baxter, a personagem principal, é uma mulher, que foi submetida a uma lobotomia por seu “Pai, o Criador”, e que acorda um belo dia com um cérebro de criança. A partir de então, Bella tem que reaprender tudo, ela personifica a descrição que demos anteriormente texto acima

 

Como uma criança, quando Bella começa a falar ela brinca com a voz, experimentando sons até desenvolver a linguagem, ao aprender a andar, brinca com o corpo, testando movimentos e equilíbrio.

 

Nas interações sociais, ela experimenta emoções e identidades. Desafia os limites do seu corpo, visualiza possibilidades, experimenta hipóteses sobre o mundo, questiona fatos e forma convicções sobre si mesma, aqueles ao seu redor e o mundo social.

 

Ao final, o filme termina justamente com uma cena dela de leitura, com uma certa posição intelectual, que mostra que ela desenvolveu habilidades como escrita e leitura, buscando aprovação social e questionando o mundo ao seu redor.